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Trecho de A Hora do Demiurgo

– Por que motivo Theophilus desapareceu? – indagou o inspetor.

– Ele estava sendo procurado por homicídio. Theophilus Tate era acusado de matar Robert Stuart, o único herdeiro de Jonathan Stuart, um riquíssimo colecionador de livros raros, morto na cidade de Luxor, no ano de 1945. – Dobrando novamente o papel, Ohara estendeu-o ao inspetor. Este, entretanto, fez um gesto com a mão, como se afirmasse não ser necessário ficar com aquilo. Voltando, então, a guardá-lo em seu bolso, o detetive continuou: – O assassinato de Robert Stuart aconteceu há quase dois anos, mas Theophilus nunca foi preso por esse crime. Na verdade, durante esse tempo todo, ninguém soube onde ele se meteu. Esse sujeito sumiu do mapa, inspetor. Desapareceu realmente. Evaporou.

– O sujeito desaparece de uma forma estranha, e quando ressurge é de um jeito mais misterioso ainda! – exclamou Lazar, abrindo bem os braços para exprimir sua admiração. – Um caso muito curioso. Se Theophilus Tate foi assassinado dentro da National Gallery, que relação existe entre ele este museu? Pode me oferecer uma dica, Daniel?

– Receio que não, inspetor. Isso precisa mesmo ser descoberto – lamentou o detetive. – Na verdade, nem sequer os vigias conseguem entender o que aconteceu. Nenhum deles conhecia Theophilus Tate, e nenhum deles tampouco sabe explicar como Theophilus e o homem mascarado entraram sem arrombar portas ou janelas.

Deixando escapar um sorriso, Lazar comentou num tom ligeiramente irônico: – Simples, meu caro. Se, ao que parece, a terra consumira ao menos um dos dois, é natural que antes tenham brotado da terra. – Mas como o inspetor não era dado a esse tipo de brincadeira, logo retornou à sua atitude séria: – De qualquer forma, se não houve arrombamento, se nenhuma janela foi quebrada, como é possível que o assassino, após ter entrado sem justificativa plausível, tenha também conseguido fugir? Ou será que ele ainda está preso dentro do museu?

– O assassino fugiu pela saída da Orange Street. – Gesticulando com as mãos, Ohara indicava a direção dos lugares a que se referia. – A National Gallery tem três entradas ou três saídas, como queira: a da Trafalgar Square, a de Sainsbury e a de Orange Street. O vigia que viu o crime pelo monitor foi aquele que monta guarda na ala Sainsbury, e por conta disso foi também ele quem deu o alarme. Na mesma hora, os outros dois vigias abandonaram o posto, devido ao alarme. O resto o senhor pode imaginar, não é? Aproveitando a oportunidade de não haver ninguém na saída da Orange Street, o homem mascarado fugiu sem ser detido.

– E como as portas foram abertas?

– Na mesa do vigia há um dispositivo que abre as portas automaticamente – explicou o detetive.

Pousando a mão sobre o ombro de Ohara, o inspetor disse num tom quase paternal: – Você fez um bom trabalho, Daniel. Mas agora eu gostaria de ver o corpo. – A ala leste do museu não era muito diferente das outras: dezenas de quadros pendurados em paredes que de tão brancas chegavam a ofuscar as vistas. Por um breve instante, Lazar pensou que algumas mentes assassinas talvez considerassem o crime uma espécie de arte perfeita. Afinal, que pintura existente ali seria capaz de disputar a atenção com a cena de um homem morto? Theophilus Tate estirado no chão, o punhal cravado nas costas, a poça de sangue manchando o piso de mármore... Decerto nenhuma daquelas obras possuía um tom de vermelho tão chocante. A morte parecia realmente ter sido exposta naquela sala. Tanto que fotógrafos, peritos e legistas demonstravam um interesse que apenas as grandes pinturas costumavam despertar.

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