Alguns Poemas de O Saber Silencioso das Coisas
1. Os olhos atentos desdobram
a seda tênue do horizonte,
e lá o colibri repousa
em árvores calmas no monte.
Para além se estende o rio
e ouço o murmúrio das águas,
o choro dos que se banharam
e escorreram o fel das mágoas.
Há sempre no amanhecer
aromas de renovação
nas frutas silvestres do campo
e na substância do pão.
À tarde, os homens repousam
do labor valoroso e rude,
e quem se devota à estrada
caminha com solicitude.
Os seres que existem se movem
em uma ciranda vital –
no ritmo das estações
encena-se o bem e o mal.
Se o destino que me acomete
é o contraste do sentimento,
nestes versos que me libertam
saboreio o contentamento.
A força do tempo define
o curso dos rios e da vida,
mas é o amor que nos conduz
à plenitude concebida.
É na esperança dos teus beijos
e nos teus braços de mulher
que sonho, enfim, o meu abrigo
e aquilo que o corpo requer.
O rosto de Deus se revela
em todas as coisas criadas:
na relva de cores luzentes,
no pastoreio das manadas
e nestas saudades também...
Sim, nas saudades renitentes
que tecem costuras nas tardes
com fios de carícias ausentes.
De terras que a rota destina
os ventos sussurram mudanças
claras como tons da manhã
e risonhas como crianças.
Sem receios, eu sigo sinais
e ao término destes caminhos,
é certo que tenha o consolo
de deleites e não de espinhos.
2. Se acaso te dedicas a ser na roda incessante do tempo a mesma rocha, o mesmo carvalho de raízes fincadas, o templo onde ofertas os teus sacrifícios, e a tudo testemunha – o riso, a desgraça, o recomeço – alheio ao êxtase e ao desespero, então talvez te suceda o fruir natural da sabedoria.
Por sendas caminhaste e trazes ainda contigo relíquias tão escassas – é fato! – de terras onde osculaste o chão: o sol dourando corpos ao entardecer, os aromas do solo orvalhado e a ternura nos braços da mulher amada.
Cala-te acerca do sofrimento. Os anos ocuparam-se de transmutar as dores, as sombras, e dentro de ti a serenidade testemunha o fim da escuridão.
Goza silenciosamente o mistério de entender o ritmo das coisas – eis as crianças e as gramíneas, eis as árvores de troncos firmes e rugosos, eis a brincadeira diária em torno delas, o brado solto, o cansaço, o deitar-se à sombra vadiando as horas no fluxo constante do tempo e das mutações.
O trem não fumega até a estação, as casas desolam-se melancolicamente, o mato espreme-se entre as pedras do calçamento, mas o rio corre inalterado, desce a serra rumo ao desconhecido, e assim tu também és o mesmo, és aquilo que se conserva, és a realidade, o fragmento, o pulsar constante da existência, o testemunho, o saber silencioso das coisas.
Pendurem as flâmulas nas hastes e acendam os lampiões das festas se for tempo de celebração. Passem adiante com o ataúde e tu ofertarás o respeito cordial e seguirás também o cortejo fúnebre – a morte é um fato absoluto.
Mas antes, antes do desfecho e do dia declinante, estás convicto do ruído da chuva no telhado, do fastio à hora tardia e dessa sensação de existir claramente como o sabor dos frutos e a consistência dos campos.
3. E Deus criou o tempo, frágil e inconsistente
clarão da eternidade, e assim criou a terra
também e todo reino que nela encerra,
e tudo admirando, então, sorriu contente.
Mas pronta a combater os homens na sua guerra
tenebrosa, eis como se torce a serpente
ao seduzir a raça antes tão inocente
e deixá-la na dor de quem no mal se aferra.
Se não tivesse Deus imensa compaixão
e de nós escondesse a flor bela e seleta
como crer novamente em vias de salvação?
Num ato de sutil e delicado amor
Ele nos outorgou a filha mais dileta:
Maria, Virgem Santa, a Mãe do Salvador.
4. Pago humildemente e sem reclamações
o preço desumano desse itinerário,
dessa árdua passagem entre o abecedário
e o ponto terminal das elucubrações.
Se a sorte não me coube, e aquela existência
sublime e fabulosa entre cortesãs
de seios saltitantes e sábios de vãs
filosofias nunca somou consistência,
degusto, a contragosto, esse destino insosso.
Solitário, costuro no anonimato
uns versos. Cairão no esquecimento – é fato! –
e, no entanto, antes de ser coberto o fosso,
não os desprezo como bom divertimento.
Se, ao menos, me ocorresse ter a companhia
táctil de algum corpo… Coube-me a poesia
e só. Sua sutileza, eis todo o meu contento.