1. Há noite e em mim existe o silêncio
compulsório, silêncio que constrange
o corpo a um torpor absorvente.
Calo-me, embora a chuva no quintal
martele o seu compasso persistente
em sinfonia dura e natural.
O silêncio dos lábios é contraste,
e eu sei trago comigo a confissão
pejada de sentenças inconclusas
e gritos em estado adormecido
– enfim o sono rompe suas eclusas
e o brado é novamente reprimido.
2. O cheiro da morte,
sim, da morte,
– odor delicado de rosas –
em frágil vestígio
na memória:
esse rastro o verso contém.
O verso contém
como espólio
dos que traspassaram o rio,
esse nó cerrado,
renitente,
no espaço côncavo do peito.
O relógio antigo
ou o sofá
no canto solene da sala,
quase tudo cabe
nestes versos
em formato de evocação.
Se há sutileza,
se a dor
com o tempo transfigurou-se,
o verso contém
– por que não? –
o resquício tênue da morte.
3. Se o vento impõe às árvores
ritmos singulares
e a modesta visão
de uns troncos pendulares
te pacifica
conserva esse instante
esse raro diamante
como padrão.
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